sábado, 24 de abril de 2010

À Sombra da Bondade



Parece que por mais que eu tente andar na direção da vida adulta mais me pego revivendo a infância e a adolescência. Certas coisas podem ser conversadas mas não necessariamente explicadas.
De repente me vejo como nessa foto, só consigo ver a sombra do homem adulto, sei que ele existe, sei que é bem maior e seguro que eu sou, mas ainda não consigo enxergá-lo como um ser, apenas como uma projeção.

Desânimo, tristeza, medo, tudo parece começar a se aproximar, tomar o espaço e fazer morada. Algumas pessoas ao meu redor percebem que essa metamorfose não é uma coisa fácil. Outras continuam exigindo de mim o mesmo que dei até há pouco tempo. Eu não sou mais o mesmo, não tenho como oferecer o mesmo, e também não me satisfaço tanto quanto antes com o que vivo.

É desesperador, de repente parece que para andar é preciso deixar um mundo para trás. Sei pela lógica que não é nada disso, mas vai explicar isso pro emocional. Se o emocional desse ouvidos à lógica não haveria transgressões nem quedas.

Passei a vida inteira tentando "logiquizar" o meu emocional e agora percebo que isso não deu certo, pelo menos não tanto quanto eu gostaria. Então vou tentar "emocionizar" a lógica pra ver se dessa forma eu consigo um resultado um pouco melhor. É complicado, não sei por onde começar e ao mesmo tempo sei que já comecei e, mesmo se eu quisesse não poderia mais voltar.

Não sei do que preciso agora, se de compreensão, se de um empurrão, sei apenas do que não preciso, não preciso de cobranças e muito menos de pessoas carentes próximas a mim. Só vou dar conta de fazer caridade ou carinho quando a minha mente se desligar dessa batalha. Não quero abraçar ninguém, não quero brigar com ninguém, na verdade o que mais quero é justamente o que menos preciso: ficar sozinho.

Sou lobo do meu sucesso, percebo minha fraqueza, me separo do bando e ataco sem piedade. Sou meu melhor inimigo e meu pior amigo. Preciso entender como inverter isso. Não consigo mais confiar em mim mesmo, me sabotei tanto que agora sinto que durmo, acordo, almoço e tomo banho com o inimigo.
Me acostumei, sou aquele refém que já começa a fazer amizade com o sequestrador e propor melhorias na decoração e na infra-estrutura do cativeiro.

Queria desejar minha liberdade tanto quanto desejo que algo externo me impeça de continuar. Fico torcendo por meteoros, tombos, enchentes, qualquer coisa que possa ser responsabilizada pela minha incapacidade de caminhar.

Estou perto de recuar, perto de desistir justamente porque estou perto de dar um passo que nunca dei. Esse cativeiro não é minha casa, o sequestrador não é meu amigo e por mais que eu o decore bem, um cativeiro sempre será uma prisão.

Vejo a porta dessa gaiola aberta e me sinto preso. Sei que posso voar, mas, não consigo acreditar que "meu dono" deixou ela aberta de propósito. Insisto em racionalizar dizendo que ele esqueceu ela aberta e que se eu voar ele nunca vai se perdoar por ter me perdido. O problema é que minutos viraram dias, dias viraram semanas e já me vejo há alguns meses olhando pra essa portinha aberta.

Meus argumentos se esgotaram, e se não acontecer uma tragédia, uma catástrofe ou um apocalipse serei obrigado a olhar melhor para aquela foto e perceber que o adulto que temo enxergar não é ninguém mais que eu mesmo.

Como me temo, como me evito, como me sinto mal sabendo que esse adulto me olha. Talvez ele nem esteja esperando nada demais de mim, talvez apenas esteja me olhando porque me acha uma criança bonitinha e divertida. Talvez esteja reaprendendo comigo como as coisas pequenas são tão interessantes quando as vemos pela primeira vez.

Talvez seja apenas isso, talvez não, mas essa criança só vai saber de quem é essa sombra quando ela tiver coragem de se voltar para o adulto que a projeta.

"O menino é pai do homem" (William Wordsworth)

Coragem eu tenho, agora só falta coragem de usá-la.

Um comentário:

  1. Nenhum passo por caminho desconhecido é fácil... eu que o diga e vc sabe bem disso. Mas também, se não arriscamos, nunca saberemos, e viver de "ses" é muito ruim.
    Não se preocupe tanto tentando acertar sempre. Quando deixamos de lado esse juiz implacável que mora dentro de nós, começamos a respirar melhor. A vida fica mais leve. Perdemos muito tempo e energia tentando provar que somos infalíveis.
    Vc tem medo do sucesso pois com ele vem muita responsabilidade, mas isso é inevitável... tudo na vida é responsabilidade, porém nós é que atribuímos um peso maior ou menor a ela.
    Arranjar muletas também é um hábito e nos faz sentir pretensamente seguros... mas se elas realmente funcionassem, a gente já teria caminhado muito, no entanto, se olharmos bem, nem saímos do lugar.
    Pra borboleta transformar-se ela passa por um processo lento e solitário. Mas não vale a pena? Ou vc quer ser lagarta a vida toda, sabendo que potencialmente poderia virar uma borboleta!
    Tudo dói, toda transformação dói, porque se tem que abrir mão do conhecido e mergulhar no desconhecido. quando o espermatozoide penetra o óvulo, faz isso com sacrifício, para nascer, dói, crescer provoca dores nas articulações, ficar adulto também traz dores - menstruais, de parto, envelhecer também dói - artrite, artrose... mas também traz novidades, outras formas de ver o mundo e encantar-se com ele.
    Tente. Se doer, passa logo. Encontre-se com esse adulto que o espera pacientemente. A criança pode conviver com ele, mas não dominá-lo. Esse adulto também precisa sentir-se amado. Ele já é muito amado, mas precisa ser amado por você antes de mais nada.

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